OPINIÃO: "Um lar debaixo da ponte"
Perante todos os comentários que vi acerca da reportagem da TVI, transmitida ontem, sobre a vida de dois sem-abrigo, não pude deixar de sentir curiosidade em ver. Acabei agora de ver os 27 minutos de uma reportagem que parecia nunca mais ter fim. Digo isto não por ter sido entediante (foi tudo menos isso), mas porque foram 27 minutos em que eu me odiei por me queixar tanto da vida maravilhosa que tenho, quando comparada com tantas pessoas que não podendo viver, apenas sobrevivem.
"Estou aqui porque preciso de cá estar", foi uma das primeiras frases da reportagem. Juan Bento e Fernando Torrezão. Dois dos tantos sem-abrigo que por aí vamos vendo. Duas pessoas que vivem debaixo de uma ponte, com pouco ou nada e que, mesmo assim, sorriem. Sorriem porque não têm nada mas estão vivos. Sorriem porque enquanto houver amanhã haverá sempre esperança. E como temos nós a lata de perder a esperança por coisas tão desnecessárias, quando pessoas como estas a conseguem manter?
Em Portugal, 1 em cada 5 pessoas são pobres. É exatamente isto que mais me revolta. Vivemos num país em que a pobreza é desculpada, quase como se fosse perfeitamente natural e válido esta estatística ser verdadeira. Portugal é um país governado por aqueles que acham que viver na rua é um luxo, por aqueles que acreditam que toda a gente pode viver com pensões e ordenados míseros (quando os têm) menos os Senhores Doutores que mandam nesta merda toda. Perdoem-me a linguagem, mas às vezes é preciso dar nomes às coisas e este país não passa de uma merda, no seu estado mais puro.
Ao ver casos destes (e outros que não são mediatizados) penso instantaneamente no que poderia fazer para ajudar. E pergunto-me: será que esses filhos da mãe que nos governam não pensam que um pedacinho do ordenado deles poderia ajudar muita gente? Será que não entendem que os milhões que metem ao bolso davam para salvar muitas pessoas da crueldade das ruas? Se alguns cidadãos comuns (mesmo não tendo muito) conseguem sentir a necessidade e até o dever de ajudar estas pessoas, como é que aquela gentinha não sente isso?
A meu ver, ajudar os sem-abrigo e toda a gente que faz parte da estatística que cobre o nosso país com um manto de vergonha, deveria ser um DEVER de todos, mas principalmente daqueles que têm tanto e nada fazem. Como podem eles dormir sabendo que 1 em cada 5 pessoas não sabem o que é viver, porque a única coisa que lhes é permitida é sobreviver? Somos governados por pessoas ou por cavalos? Sem ofensa aos cavalos, que devem concerteza ter mais sentimentos.
Chorei durante toda a reportagem. Chorei porque a verdade dói, custa a engolir e porque dou e sempre dei um valor enorme a pessoas que conseguem ir vivendo desta forma e que, mesmo assim, se dignam a ser pessoas honestas, quando tinham todas as razões do mundo para não o serem - visto que a desonestidade dá mais lucro por estes lados.
Orgulho-me de, pelo menos, viver num país em que os media fazem o que deve ser feito: divulgam estes casos. Se não servir como uma forma de abrir os olhos a quem se nega a ver, que sirva pelo menos de uma chapada na cara para esses "senhores" que todos os dias nos tentam atirar areia para os olhos com toda a porcaria que dizem.
Sinto-me revoltada com o país em que vivo, com a sociedade hipócrita e atrasada que temos e, principalmente, com os "ricalhaços" lá de cima, que são tão ricos e acabam por não ter nada.
Nunca esquecerei uma das últimas frases que Fernando disse: "Não sou capaz de pedir nada a ninguém, quando o faço é por grande necessidade ou porque tenho muita fome para o fazer."
Quando vivemos num país em que um sem-abrigo demonstra não ser capaz de pedir nada a ninguém, enquanto quem nos governa nem pede - apenas rouba - algo está mal. Se eu, que não sou ninguém, consigo ver isso, por que raio é que quem devia ver não vê?
Somos um país de cegos, do pior tipo de cegos: aqueles que não querem ver.