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Upside Down

Um blogue de uma futura (e esperançosa) jornalista, que vê na escrita um refúgio para os bens e para os males da vida.

Upside Down

Um blogue de uma futura (e esperançosa) jornalista, que vê na escrita um refúgio para os bens e para os males da vida.

Perda

And the tears come streaming down your face when you lose something you can't replace...

Ninguém é substituível. Num mundo perfeito, ser-nos-ia possível encontrar uma pessoa e colocá-la, automaticamente, no lugar de outra que a vida (e, tantas vezes, a morte) nos tirou. Ainda nesse mundo, poderíamos esquecer totalmente a falta que a outra pessoa nos faz, pois essa falta seria preenchida por aquela que colocámos no seu lugar. Não estamos num mundo perfeito e ninguém é, de facto, substituível.

Aconchega-me a ideia de saber que eu sou insubstituível, que nunca alguém que me tenha perdido consiga realmente preencher a falta que faço. Não me aconchega, no entanto, saber que as pessoas que eu perdi são insubstituíveis - e é por isso que a perda é uma merda. É isso, uma valente merda. Perder podia ser tão bonito se pudessemos substituir, preencher o vazio, suprimir a falta. Na vida real, perder é feio, doloroso, horrível. A dor da perda nunca passa, às vezes ameniza e raramente se entende. 

Posso viver 100 anos - sei que nunca vou compreender a perda, as suas causas, o seu timing normalmente arrebatador. Já perdi muito - pessoas, coisas, momentos, até já me perdi a mim própria. Perder é sempre a mesma merda: estamos muito bem porque pensamos que temos quase tudo e, de repente, a vida tira-nos o que temos para nos fazer entender que, afinal, já tinhamos tudo (só ainda não sabíamos disso). Começam as lágrimas, essas malditas inimigas que teimam em cair quando alguém nos pergunta se estamos bem ou se sentimos falta - primeiro chegam sorrateiras, uma a uma, impedidas de sair pela dimensão da nossa dor e pelo choque da perda. Depois vem a avalanche - um choro constante, repentino, a qualquer hora do dia e sem fim à vista. Os olhos têm de inchados a quantidade de vazio que fica no nosso coração. Perdem-se horas de sono numa agonia profunda, durante a qual nos dividimos entre a dor de cabeça causada pelo choro e as perguntas infindáveis: porquê agora? que mal fiz eu? porquê a mim? 

Passamos, então, pelas fases do luto: choque e negação (não dá para acreditar que perdemos tudo aquilo que pensavamos que tinhamos quase como garantido), culpa (começamos a aperceber-nos do que aconteceu e culpamo-nos constantemente, mesmo que a culpa nem seja nossa), raiva (culpamos toda a gente menos nós mesmos, de tão intensa que é a nossa frustração), depressão (chega, então, o tempo da solidão, da tristeza e da introspeção), reconstrução (começa-se a viver sem a outra pessoa, embora aos poucos) e aceitação (aceitamos, finalmente, que a perda é irremediável e que temos de seguir a nossa vida).

Conheço isto de cor, feliz ou infelizmente - como queiram. Sei que a dor acaba por se amenizar, sei que dá para sobreviver e, até, para viver depois da perda. Porém, continuo a dizer que a perda é sempre a mesma merda - e nunca deixa de ser uma merda horrível. Nunca superamos. Ninguém supera uma perda se for realmente uma perda significante. Superamos a perda do cão ou do gato, dos 5 euros que deixámos cair da carteira, mas nunca superamos a perda de alguém que amamos - seja família, amigos, quer para a vida quer para a morte. Aprendemos a viver sem a pessoa que nos faz falta - isso é verdade -, mas nunca conseguimos superar. As lágrimas teimam em aparecer quando alguém nos fala das pessoas que perdemos. Tentamos, em vão, relembrar as nossas perdas com um sorriso, pois temos aquele velho hábito de pensar que o que nos fez feliz deve ser recordado com alegria. Mas as lágrimas, essas malditas, teimam em cair. Controlamos enquanto conseguimos, a voz começa a ficar apertada, quem está connosco repara na comoção a cada palavra que dizemos - e lá vêm elas, uma após a outra, para nos relembrarem que a saudade está presente e que a perda nunca será, de facto, ultrapassada.

A perda é sempre a mesma merda - hei-de afirmá-lo sempre. Conhecemos as suas artimanhas, o seu processo, sabemos inclusive que o tempo nos ajuda, embora nos pareça quase sempre um cliché. Mas nunca - e volto a frisar, nunca - percebemos. Ao lerem isto perguntem a vocês mesmos se percebem as perdas pelas quais já passaram. Percebem a morte daquele familiar de quem tanto gostavam? Percebem o adeus que tiveram de dizer àquele amigo que era realmente importante nas vossas vidas? Percebem porque é que aquele grande amor chegou ao fim? Não percebem, nunca perceberão.

Perder alguém é algo que não é suposto ser entendido e é por isso que dói tanto. A perda é, realmente, uma merda.

 

PESSOAL: Desabafo de Natal

Ainda ontem foi Natal. Uma época de alegria, amor, paz, crianças ansiosas para receberem as suas prendas e adultos que fingem que já não acham piada a presentes. Para mim é também tudo isso, mas é, principalmente, uma época de vazio. Vazio porque já perdi demais para conseguir ser inteira.

Passar um Natal sem pensar em ti é difícil, Avô. E passar um Natal sem deitar uma lágrima pela falta que me fazes é impossível.

Já passaram quatro anos, cinco Natais sem ti e a saudade bate tão forte como no primeiro Natal, como no primeiro dia, como no instante em que soube que te tinham levado para um sítio muito longe de mim. Dizem que "Deus quis assim", mas se Deus existisse tu estarias aqui a dar-me o maior presente que poderia receber agora: o teu sorriso de orgulho, aquele que mostravas cada vez que me vias. Com todo o respeito pela religião (ou toda a falta de respeito), metam Deus num sítio que eu cá sei, porque uma criatura supostamente tão perfeita não nos tiraria as nossas bases, os nossos alicerces, as pessoas que nos amam e nos apoiam acima de tudo.

Não acredito em Deus, mas acredito que me queres ver a sorrir, porque sempre o quiseste. Por isso, tentei aproveitar da melhor forma possível o Natal, com as pessoas que amo e que, tal como eu, sentem a tua falta. 

 

"O papel da perda tem de ser o higiénico. Todas as perdas são uma merda." - Pedro Chagas Freitas